O Modus Bajulandi continua o mesmo, de Paulo Malária

(Este texto é chato - mas leia)


Para quem ainda não sabe, sou co-fundador, tecladista e produtor dos discos da banda de rock independente Acidente Rock, "aquela banda que ninguém conhece mas todo mundo já ouviu falar", "33 anos e nem um sucesso", cuja história vocês podem conferir no excelente site www.acidente.ac, sob a direção do brother Helio Jenné.


Hoje em dia a palavra "independente" tem outra conotação. Foi mercadologicamente substituída por "indie", que se aplica a qualquer grupo modete, tendo ou não contrato com grande gravadora. (É fácil descobrir: se não tiver, você não fica sabendo que o grupo existe.) O Coldplay é "indie"...


Mas, no início dos anos 80, disco independente significava uma coisa bem específica: disco produzido pelos próprios músicos, gente alheia ao sinistro mercado da indústria mu$ical, e que, como represália, toda espécie de sacanagem. A mais comum era ignorar: somente uma estação entre as mais de 20 FMs cariocas programava nossas músicas (dépois, nem ela) e, quando tocávamos num evento com 10 bandas, a matéria no sepultado "Jornal do Brasil" (bíblia da intelligentzia da época) falava em 9, pois havia um fornido representante dos interesses das gravadoras bem azeitado para mandar excluir nosso nome.


Outra forma de sacanagem muito frequente era a indústria mu$ical pegar o que havíamos feito e mandar um de seus contratados fazer "igual diferente". Era aquele tipo de troço cientificamente estudado para não poder ser acusado de "plágio", mas o original sabia que havia sido vilmente sacaneado.
Pelos idos de 87 ou 88, cansados de perder consumidores para rockeiros que chegavam nas lojas e perguntavam: "Aí vende disco independente?", eles mandaram uma de suas bandas batizar seu novo LP de.. "Independente"! A partir daí, quando você chegava numa loja e fazia essa pergunta, o vendedor estava instruído para lhe mostrar o LP. Fiz esse teste várias vezes, até que cansei de me aborrecer.


Bom. Há alguns meses, o Acidente lançou seu CD "Rock", comemorando os 30 anos de lançamento do 1° LP independente de rock carioca, "Guerra Civil". A repercussão foi mínima. No início, parecia até que algo ia acontecer, pois o corajoso jornalista Arthur Dapieve registrou o lançamento com uma crônica de meia página no Segundo Caderno de "O Globo". Foi muito. Foi bom demais. Mas foi só. Nem mais uma linha na imprensa. Nenhuma rádio executou sequer uma vez alguma música de nosso CD.


Hoje abro o Segundo Caderno e lá está: matéria de capa para a comemoração de 25 anos do LP "Selvagem" dos Paralamas, um dos maiores investimentos da indústria mu$ical brasileira no gênero pop rock em todos os tempos.


Eu nunca ouvi falar em comemoração de 25 anos. Mas, vá lá: que seja coincidência. Os marketeiros que deflagraram essa campanha nem ouviram falar no Acidente e em seu relançamento. Tudo coincidência.


Só sei que a tal matéria me fez regredir por alguns instantes ao que eu sentia e pensava em 1986, auge do tal "Rock Brasil". E eu não gostei nem um pouco das lembranças.

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